quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Carpe diem

Rubem Alves

"Carpe Diem" quer dizer colha o dia. Colha o dia como se fosse um fruto maduro que amanhã estará podre. A vida não pode ser economizada para amanhã. Acontece sempre no presente. "O tempo passa,/ Não nos diz nada./ Envelhecemos./ Saibamos, quase maliciosos,/ Sentir-nos ir,/ Tendo as crianças/ Por nossas mestras/ E os olhos cheios/ De natureza..." Alberto Caeiro Kierkegaard diz, em suas meditações por nome Pureza de coração, que "a pessoa que fala sobre a vida humana, que muda com o decorrer dos anos, deve ter o cuidado de declarar a sua própria idade aos seus ouvintes". Trata-se de um conselho estranho para aqueles que vêem a vida com os olhos da ciência, porque, para eles, os olhos permanecem os mesmos, não são afetados pela passagem do tempo. Um bom par de óculos pode resolver o problema da visão diminuída. Kierkegaard sabia o que os oftalmologistas não sabem: com a idade, os olhos não ficam mais fracos. Eles ficam diferentes. Sob a luz do sol a pino eles vêem coisas luminosas. Sob a luz do crepúsculo eles começam a ver as criaturas delicadas que não suportam luz em excesso. O amor prefere a luz das velas. Gaston Bachelard, em seu lindo livro A chama de uma vela, diz que "parece existir em nós cantos sombrios que toleram apenas uma luz bruxuleante. Um coração sensível gosta de valores frágeis. As fantasias da pequena luz nos levam de volta ao reduto da familiaridade..." "Assim estão os meus olhos, assim estou eu, pois sou a luz que meus olhos emitem". Não foi isso que Jesus disse (Mateus 6.22)? Penso que ele aprovaria se me ouvisse dizendo: "Os olhos são as lâmpadas do corpo. Se teus olhos forem crepusculares, crepuscular também será o teu corpo..." Quando se vive sob a luz da manhã, ainda há muito tempo pela frente, e se pensa que a vida começará a ser vivida depois de havermos colocado a casa em ordem. Há tanta coisa para ser feita! Felizmente sabemos que as nossas mãos transformarão o mundo! Marx nos ensinou que é isso o que importa. E a boca se enche de palavras de ordem e de imperativos éticos e políticos. Ser cristão é fazer! Quando se vive sob a luz crepuscular - a hora do Angelus -, sabe-se que o trabalho ficou inacabado, o trabalho fica sempre inacabado, o tempo se encarrega de desfazer o que fizemos, as mãos ficam diferentes, deixam de lado as ferramentas, retorna-se ao lar, corpo e alma "voltam ao reduto da familiaridade". Ao meio-dia se fazem trabalho e política. Ao crepúsculo se faz poesia. Ao crepúsculo se sabe que não seremos salvos pelas obras. Ao crepúsculo se retorna à verdade evangélica e protestante que afirma que somente a Palavra nos salvará. Ao crepúsculo comemos palavras: é a hora sacramental, a hora da poesia. Ao crepúsculo se sabe que o que importa e "ser", simplesmente "ser"... Não, o interesse pelos sofrimentos dos homens não foi perdido. É que na hora crepuscular se compreende que "mundos melhores não são feitos; eles simplesmente nascem" (e.e. Cummings). Há uma revolução que se faz com poesia e alegria. É Neruda que o diz: a Reforma Protestante foi feita com música, cantando. Caminhando e cantando... O ser diante da chama da vela: só olhos, só fantasia; ou diante de uma sonata de Beethoven (Ah! Lenin dizia que poderia ficar ouvindo a Appassionata o dia inteiro, e se alegrava de que aos homens esse poder tivesse sido dado de produzir a beleza, e ficava com vontade de sair à rua e começar a abraçar as pessoas - o que é muito perigoso para quem está vivendo sob as ilusões do meio-dia...); ou como diante de um poema de Alberto Caeiro: "Sejamos simples e calmos,/ Como os regatos e as árvores,/ E Deus amar-nos-á fazendo de nós/ Belos como as árvores e os regatos/ E dar-nos-á verdor na sua primavera/ E um rio aonde ir ter quando acabemos..." Os deuses do meio-dia não são os mesmos do crepúsculo. Interessante notar que o dia bíblico começa com o crepúsculo, quando o sol se põe... Talvez essa seja a maneira certa (já que Deus faz tudo ao contrário): tomar como início aquilo que nossa vã sabedoria sempre achou que fosse o fim. Começar do fim... Aliás, é este o conselho que o matemático polonês Polya dá àqueles que querem aprender a resolver problemas de matemática: "Comece sempre pelo fim!" Se ainda tivéssemos Pitágoras por nosso mestre, diríamos que o que é verdade para a matemática tem de ser verdade também para a alma. Começar pelo fim! Ver a vida inteira sob a luz crepuscular! Ao meio-dia o céu é um imenso mar azul. O tempo está parado, imobilizado. Ao crepúsculo tudo se altera: o mar imóvel se transforma em rio, as águas correm cada vez mais rápidas, as cores se sucedem, o azul passando ao amarelo, ao rosa, ao vermelho, ao roxo, para, finalmente, mergulhar na noite. "Especialmente na medida em que se vai ficando mais velho", diz Alan Watts em seu livro sobre o taoísmo, "vai-se tornando óbvio que as coisas não têm substância, pois o tempo passa cada vez mais rapidamente, de forma que nos tornamos conscientes da liquidez dos sólidos; as pessoas e as coisas se transformam em reflexos e rugas na superfície da água". Kierkegaard estava certo. É preciso dizer a idade. Os olhos crepusculares não são olhos que vêem menos: são olhos que vêem diferente. Eles vêem sob a perspectiva da morte. Pois é ela, a morte, que se nos aparece ao crepúsculo. É só ela que nos permite ver o crepúsculo. "As nuvens que se ajuntam ao redor do sol que se põe/ ganham suas cores solenes de um olho/ que tem atentamente vigiado a mortalidade dos homens..." Estes são versos de William Wordsworth. Não, não são as cores lá fora que são belas e tristes. São as cores crepusculares que moram dentro do olhar... Talvez você tenha-se assustado, quando me referi à morte. É compreensível. A vida inteira ouvimos falar mal dela. E as religiões até fazem tudo para matar a morte, para que não haja crepúsculos no mundo, para que o sol esteja permanentemente a pino. "Mas ao matar a morte a religião nos tira a vida", diz Octávio Paz. "A eternidade despovoa o instante. Porque a vida e a morte são inseparáveis. Tirando-nos o morrer a religião nos tira a vida. Em nome da vida eterna a religião afirma a morte desta vida". O crepúsculo é belo por causa do rio, o fluir do tempo que faz as cores mudarem... Ouço, de Holst, o poema sinfônico Os Planetas. Neste momento, é Vênus: o que traz a alegria. Também a sua beleza depende do tempo que passa - os acordes se vão para dar lugar aos que vêm, até que chegarão ao fim e eu direi: "Que lindo! Pena que acabou!" A vida e a beleza só existem por causa da morte, que torna possível que elas dancem. D. Juan, o bruxo do livro de Castarïeda, Viagem a Ixtlan, chama a Morte de "conselheira". Ela nos torna mais sábios. Não é por acaso que a sabedoria está associada à velhice. Hegel dizia que a coruja de Minerva só abre suas asas no crepúsculo. E Roland Barthes, ao ficar velho (mas era bem mais moço do que eu), afirmava que naquele momento ele se entregava ao esquecimento de tudo o que aprendera a fim de poder chegar à sabedoria. Que sabedoria nos ensina a morte? É simples. Ela só diz duas coisas. Primeiro, nos aponta o crepúsculo, a chama da vela, o rio, e nos diz: Tempus Fugit - o tempo passa e não há forma de segurá-lo. E, logo a seguir, conclui: Carpe Diem - colha o dia como quem colhe um fruto delicioso, pois esse fruto é a dádiva de Deus. Os poetas e artistas têm sabido sempre disso. Porque a arte é isso, pegar o eterno que cintila por um instante no rio do tempo. Como está escrito neste lindo poema de Paul Bouget que Debussy musicou e a Barbra Streisand gravou no maravilhoso CD Classical Barbra: "Quando, ao sol que se põe,/ os rios ficam cor rosa,/ e um leve tremor percorre/ os campos de trigo,/ parece das coisas surgir uma súplica de felicidade/ que sobe até o coração perturbado./ Uma súplica de beber o encanto de se estar no mundo/ enquanto se é jovem e a noite é bela./ Pois nós nos vamos,/ como se vai esta onda:/ Ela, para o mar,/ nós para a sepultura..." Num dos cadernos de Camus encontra-se o seguinte parágrafo: "Os pássaros, durante o dia, voam em todas as direções. Ao cair da noite, entretanto, dir-se-ia que eles voam para um mesmo lugar. Assim, talvez, ao cair da noite da vida..." Eu me sinto assim: ao chegar o crepúsculo, as muitas palavras que escrevi em todas as direções, reduzem-se a algo extremamente simples. Aconteceu assim também com Jorge Luis Borges, já bem mais velho do que eu. "Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros. Não tentaria ser tão perfeito. Relaxaria mais. Seria mais tolo ainda do que tenho sido. Na verdade, bem poucas coisas levaria a sério. Seria até menos higiênico. Correria mais riscos, viajaria mais, contemplaria mais entardeceres, subiria mais montanhas, nadaria mais rios. Iria a lugares onde nunca fui, tomaria mais sorvete e menos sopa. Teria mais problemas reais e menos problemas imaginários. Eu fui uma destas pessoas que viveu sensata e produtivamente cada minuto de sua vida. Claro que tive momentos de alegria mas, se pudesse voltar a viver, trataria de ter somente bons momentos. Porque, se não o sabem, disso é feita a vida, só de momentos. Não percam o agora. Eu era um desses que nunca ia a parte alguma sem um termômetro, uma bolsa de água quente, um guarda-chuva e um pára-quedas. Se voltasse a viver, viajaria mais leve. Se eu pudesse voltar a viver, começaria a andar descalço no começo da primavera e continuaria assim até o fim do outono. Daria mais voltas na minha rua, contemplaria mais amanheceres e brincaria com mais crianças, se tivesse outra vez uma vida pela frente. Mas, já viram, tenho oitenta e cinco anos, e sei que estou morrendo..." (Jorge Luis Borges) Ricardo Reis disse a mesma coisa num poema mais curto: "Dia em que não gozaste não foi teu:/ Foi só durares nele. Quanto vivas/ Sem que o gozes, não vives./ Não pesa que amas, bebas ou sorrias:/ Basta o reflexo do sol ido na água/ De um charco, se te é grato./ Feliz o a quem, por ter em coisas mínimas/ Seu prazer posto, nenhum dia nega/ A natural ventura". Beber o encanto de estar no mundo! Não importa que ele nos venha em pequenos fragmentos de alegria, de riso, de compaixão, de amizade, de silêncio, arroz e feijão, o abraço de amor, a poesia, as coisas do dia-a-dia. Se você não sabe sobre que estou falando, por favor, leia a poesia de Adélia Prado. São sacramentos, fragmentos de uma felicidade que nos toca de leve, para logo se ir. A felicidade é assim, não é coisa grande que vem para ficar. Sabe disso Guimarães Rosa, que dizia que ela só acontece em raros momentos de distração. Mas é justo assim que Deus vem, quando estamos distraídos, eternidade num grão de areia, reflexo do sol ido na água de um charco. Tudo é um grande brinquedo. Brinquedo: coisa mais alegre e efêmera haverá? E é isso que nos ensina a morte, que a vida é brinquedo, não pode ser levada a sério - o que nos torna humildes e livres das alucinações de importância e de poder. Desenhos de conchas na areia, como aquele imenso cavalo-marinho de caracóis que a menina, do filme O piano, fez na praia, enquanto sua mãe tocava... Coisas que uma criança faz na praia, casas, castelos, túneis, caminhos... "E assim, num dia de tempo calmo,/ embora estando em ilha distante,/ contemplamos o mar imortal/ que nos trouxe até aqui,/ e vemos na praia as crianças brincando/ e ouvimos as fortes águas eternamente/ rolando..." (e.e. Cummings, citando W. Wordsworth) Logo a maré, durante a noite, apagará tudo, e pela manhã a praia estará maravilhosamente lisa, todas as cicatrizes saradas, como se nada tivesse acontecido. Haverá metáfora mais bela para o perdão? E o brinquedo poderá começar de novo. Aquilo que foi amado deve ser repetido. Por isso afirmamos: "Creio na ressurreição do corpo": o que foi, voltará. "O que aconteceu acontecerá de novo,/ o que já foi feito será feito de novo,/ nada de novo há debaixo do sol" (Eclesiastes 1.9) Tempus Fugit. "Vai, portanto, come a tua comida e alegra-te com ela,/ bebe o teu vinho com um coração feliz./ Veste-te sempre de branco/ e que não falte óleo perfumado nos teus cabelos./ Goza a vida com quem amas todos os dias da tua vida. Pois Deus já aceitou o que fizeste..." (Eclesiastes 9.7) O tempo foge; Curta o dia.

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quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Força da escassez

Alvaro Acioli
Um preconceito a ser vencido, no debate sobre a conservação da natureza, é o de que se trata de um tema da modernidade.
Platão já discutia o assunto, quatro séculos antes da era cristã. Dados disponíveis mostram que o homem atua sobre os ecossistemas, há cerca de 7.500 anos ; ele desmata desde que utiliza o fogo para limpar seus terrenos de caça.
Mas a bem da verdade a espécie humana tem contribuído, para a conservação e o progresso, desde que habita a bioesfera.
Abrindo clareiras, cultivando encostas, irrigando desertos, pesquisando variedades, domesticando animais, o homem diversificou os cenários primitivos e tambén multiplicou as possibilidades de evolução, para um inestimável número de espécies.
Muitas das paisagens mais bonitas da terra foram criadas pela sensibilidade e pelas mãos do homem.
Os organismos vivos, incluindo o homem, pertencem a sistemas ecológicos que se influenciam mutuamente. A humanidade tem de conciliar o progresso tecnológico com a preservação do patrimônio genético, assegurando a continuidade do processo evolutivo.
A bioesfera continua a ser inundada por substâncias não recicláveis e de efeitos imprevisíveis ; é impiedosa a destruição das espécies animais ; a exploração iresponsável dos ecossistemas está violando o equilíbrio natural.
Mas para que isso se torne possível é preciso que os mais necessitados resolvam os seus problemas básicos : abrigo, comida e trabalho. E que os mais favorecidos controlem sua voracidade cumulativa. Só então os ecossistemas serão explorados em benefício de toda a humanidade, sem ameaças às bases de seu funcionamento nem à sua biodiversidade.
Há mais ou menos três décadas diversos organismos internacionais anunciaram que até o ano 2.000 os homens situados “abaixo da linha da pobreza” encontrariam trabalho e remuneração digna.
Foi um sonho demasiado ousado imaginar que os detentores do poder e do capital iam implementar os meios capazes de erradicar a miséria do planeta, promovendo modelos sustentáveis de desenvolvimento.
Hoje, já transcorridos sete anos desse olimpo idealizado, a realidade planetária mostra sinais ainda mais acentuados de degradação social.
Os fantasmas da fome e do desemprego atacam agora no quintal das nações ricas, no primeiro mundo. O aumento da exclusão provoca a crescente informalidade da economia mundial e uma verdadeira invasão dos centros urbanos, das grandes metrópoles.
As forças incontroláveis que emergem da escassez vão definir o destino não apenas dos países, mas da própria humanidade. Comungo com o sábio Milton Santos : "A convivência com a escassez para os não possuidores é aflitiva porque, para os pobres, viver no mundo do consumo é como subir uma escada rolante no sentido da descida. Não há negociação possível. É por isso que as experiências entre os pobres se renovam. E é essa prontidão dos sentidos que lhes faz ter o sentido da história".
A sabedoria do momento presente está com os menos favorecidos, que são - de fato - os verdadeiros protagonistas do processo histórico e político.





Caminhos da reconstrução

Alvaro Acioli
O que vai definir a face da sociedade futura será a capacidade humana de superar a finitude da existência, aprendendo a realizar-se dentro dos limites que a vida social impõe. Desconhecendo essas condicionais o homem perpetuará seus conflitos e perderá, definitivamente, a chance de aperçoar sua humanização. Para vencer a tragédia de sua finitude, o homem tem que decidir-se a assumí-la definitivamente. Somente assim ele reencontrará as condições capazes de restabelecer seu amor pela vida.Uma socialização nova deve vincular direitos e responsabilidades humanas. Para tanto urge consagrar de que todas as existências são interdependentes. Estamos condenados à coexistência. Qualquer afirmação particular começa pelo respeito à dignidade do semelhante. Fora desses princípios é praticamente impossível evitar a perpetuação do desencontro humano.Diante dos extraordinários avanços tecnológicos, a instrução deve continuar sendo a principal função do Estado. Mas a educação, indispensável para o aproveitamento adequado da instrução, permanece como a grande missão da família. Principalmente a iniciação dos usos e costumes, das normas e comportamentos, das hierarquias e dos valores. Além dos cuidados físicos cabe ainda à família dar amor e proteção. A educação tem de ser repensada mais em termos de trajetória que de objetivos; como eu vou e não para onde eu vou. Os problemas da vida precisam ser ensinados como ocorrências possíveis,que podem contribuir para o crescimento pessoal, se abordados adequadamente.Constata-se que a atuação humana perdeu a expontaneidade. Até os gestos mais simples reproduzem padrões condicionados, sejam conceitos ou preconceitos. O homem já encontra, ao nascer, compromissos definidos, sendo-lhe crescentemente dificil viver os infinitos padrões e caminhos recomendados. E o impacto causado pela tecnologia da informação relativizou a realização de todos os papeis sociais. O comportamento assumido, em função da experiência, foi substituído pela representação recomendada. Antes a vivência revelava nossas motivações íntimas, o que facilitava a compreensão. Hoje os modismos forçam uma obediência automática. Cumprir as regras, sem discutí-las, e amedrontar-se ante as verdades consagradas, são realidades comportamentais, quase absolutas.Acabamos escravizados pelas máquinas que criamos para dominar os animais. Antes do grande salto as mudanças era lentas ; mantinham-se por muitas gerações. Hoje, conceitos e valores, discutíveis, geram critérios cada vez mais precários. Do bom ao mal, do moral ao imoral, do certo ao errado, tudo se tornou questionável. O viver complicou-se extraordinariamente e todos precisam agora de reorientar suas existências. O natural, o simples, precisa ser redescoberto. Cabe indagar: o homem terá ainda tempo para transformar-se, apesar da relação indefinida entre ele e seu mundo? Consegirá esse mesmo homem defender-se da ação do tempo, que ameaça afundá-lo no anonimato e na banalidade? Como ele pode prevenir-se e proteger-se do indiferentismo, da dispersão, da infidelidade a sí mesmo?A ampliação da liberdade humana surje como um caminho importante para a própria reconstrução. E como se pode atingir esse objetivo ? Penso que treis pontos são da maior importânica, na redefinição da socialização humana : 1. Consagrar a motivação como o fundamento do aprendizado; 2. Aceitar que a frustração é um elemento básico na variabilidade do comportamento; 3. Entender que educar é contribuir para outras individualidades e não uma chance para o educador reescrever a sua própria história.Um dia mestre Malraux advertiu: "A liberdade a que me considera ter direito é a tua. A liberdade de fazer o que te agrada. A liberdade não é uma permuta - é a liberdade". Somente livre, de fato, o homem pode encontrar o seu destino, realizar sua tarefa, plasmar sua forma, a da comunidade e a do mundo. E essa liberdade só é conquistada quando o homem descobre que ela é fundamental.


quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Mercado da Ilusão

Alvaro Acioli
Restam em nosso universo poucas
sociedades igualitárias, mágicas e atemporais.
Grupamentos humanos sem hierarquia
e onde tudo, no céu ou na terra,
pode ser completamente explicado.
Sociedades primitivas nas quais
o sobrenatural ocupa um vasto espaço idealizado
e o natural um território bem pequeno.
Continuação em :


terça-feira, 2 de setembro de 2008

Fascínio mórbido

O vocábulo grego nekros significava “cadáver”, habitante dos infernos. Nekros refere-se aos mortos e não à morte, ao corpo morto ou assassinado. Necrofilia é amor ao que é morto. Trata-se de comportamento muito mais freqüente do que geralmente se supõe .Mas dificuldades práticas impedem que essa perversão encontre facilidades objetivas de satisfazer-se. Por isso a grande maioria dos necrófilos vale-se de fantasias ou de outras representações. (É aí que situo a contribuição da mídia). Dificilmente pode-se calcular o número de pessoas com esse problema, porque raramente elas são descobertas ou se confessam. A paixão de destruir, ”de despedaçar as estruturas vivas”, é uma outra forma da necrofilia se manifestar. E pode aparecer precocemente, já na infância. Esse desejo de despedaçar aquilo que é vivo encontra sua expressão mais nítida no impulso para desmembrar o corpo, bem visível no comportamento de certos assassinos. Esses necrófilos homicidas desejam mais esquartejar a vítima do que simplesmente executá-la. Postar-se perto de cadáveres, de cemitérios ou de qualquer objeto em decomposição é uma outra maneira da necrofilia se exteriorizar. Von Hentig cita os “farejadores”, pessoas para as quais o cheiro de excrementos humanos ou de qualquer coisa pútrida é excitante. Foi o filósofo espanhol Miguel de Unamuno quem primeiro utilizou o termo necrófilo para caracterizar um traço de caráter, ao invés de uma perversão. Mas é de Erich Fromm um dos estudos mais cuidadosos já realizados sobre o caráter necrófilo. Trata-se de uma atração apaixonada por tudo o que é morto, pútrido, doentio. Uma volúpia de transformar o que é vivo em algo sem vida. O ato de destruir pelo prazer de destruir. No caráter necrófilo os conflitos e os problemas têm ser resolvidos pela força e pela violência. A força, ou como disse Simone Weil, “o poder de transformar um homem num cadáver - é a primeira e a última solução para tudo. Os problemas da vida devem ser resolvidos pela destruição e nunca pela construção.” O interesse particular do necrófilo em relação às coisas mortas é quase sempre verificado não apenas em sua conversação, mas na maneira como lê o noticiário: examinam em primeiro lugar as notícias de morte, os obituários. Ele gosta também de conversar tudo sobre a morte: de que morreram as pessoas, em que condições, quem morreu recentemente, quem parece que vai morrer, e assim por diante. Gosta de freqüentar os velórios e os cemitérios e geralmente não perde ocasião de fazê-lo, toda vez que o fato mostra-se socialmente oportuna. É fácil verificar que essa afinidade com os enterros e os cemitérios é apenas uma forma de certo modo atenuada de um interesse mais gritante e manifesto pelos necrotérios e pelos túmulos, já comentados. O necrófilo é um desmancha-prazeres, um esterilizador da alegria do grupo. Entedia mais que anima. A vida do necrófilo é comandada pelo que não está vivo. Lewis Mumford mostrou que a conexão entre a destrutividade e as “megamáquinas” não é fenômeno recente ; já existia na Mesopotâmia e no Egito, há cerca de cinco mil anos. Os produtos finais da megamaquina do Egito eram túmulos colossais, habitados por corpos mumificados. Na Assíria, como ocorreu em todos os outros impérios em expansão, o principal testemunho de sua eficiência técnica era um deserto de aldeias e cidades destruídas, assim como solos envenenados; o protótipo das atrocidades modernas. As grandes massas cultuam hoje os artefatos mecânicos, desprovidos de afeto. Não mostram maior interesse pelas pessoas, pela natureza e pelas estruturas vivas. Há homens que sentem mais ternura por seus automóveis que por suas famílias. A sociedade necrofilizada atual fundiu a técnica com a destrutividade. O culto da máquina e da velocidade, a glorificação da guerra, a destruição de todos os valores culturais, um ódio gratuito pelas minorias, são seus traços principais. Essa sociedade estabeleceu também uma relação da rapidez com a coragem e da lentidão com a covardia. Para ela, a embriaguez das grandes velocidades, em bólidos assassinos, consagra a alegria de seus condutores, que passam a sentirem-se como verdadeiras divindades cinéticas. A fusão da técnica com a destrutividade, que se tornou bem visível, a partir da segunda guerra mundial, acabou por consagrar-se definitivamente na recente guerra do Iraque. Colocado na cômoda posição de um mero intermediário da destruição tecnológica, o homem pode eximir-se da conseqüência de seus atos. O importante é subjugar o inimigo, “vencer a guerra”, rapidamente, pelo menor preço possível. A morte de civis indefesos é um mero efeito colateral do conflito bélico, como disse recentemente um comandante das tropas dos EUA, em operação no Iraque.No show-bélico da atualidade as mortes são vivenciadas como se o telespectador estivesse participando de um videogame. Falta, nessa morte transmitida eletronicamente, o componente orgânico, a relação física direta. E os próprios combatentes, ao serem colocados na posição de meros intermediários da destruição tecnológica, podem eximir-se de culpas, em relação às mortes decorrentes de seus atos. A guerra é agora um grande show tecnológico, com direito a transmissão simultânea, para todo o mundo. Hoje não se informa mais sobre os bombardeios realizados no campo do inimigo; transmite-se ao vivo. O espectador é levado à condição de co-piloto dos aviões de guerra, com direito a satisfazer a sua voraz necrofilia, da forma mais regredida possível. O simbolismo da morte não é mais o odor desagradável de excrementos ou de cadáveres; seus símbolos atuais são máquinas limpas, que brilham. Mas a realidade por detrás dessa fachada anti-séptica torna-se cada vez mais visível. O homem está transformando o mundo num lugar malcheiroso e envenenado, em nome de um progresso cada vez mais dedutível. Ele polui o ar, a água, o solo, os animais e a si mesmo. Pouca diferença existe se o faz intencionalmente ou não.Tendo conhecimento dos perigos possíveis, não pode ser isentado de responsabilidade. Mas seu caráter necrófilo o impede de utilizar os conhecimentos disponíveis e a própria razão. Os problemas mais angustiantes da atualidade estão relacionados com uma crescente atração pela morte e pelo mórbido. Refiro-me particularmente as drogas, aos crimes hediondos, a decadência cultural e moral, ao descaso com os valores éticos, nas mais diversas culturas. Como esperar que os jovens, os mais pobres e os desesperados não se deixem atrair pela sordidez, tão bem promovida pelos que dirigem o curso da história moderna? O mundo da tecnologia desumanizada é, sobretudo uma expressão do mundo da morte e da desesperança. O fascínio que o mórbido exerce, sobre o náufrago humano, reflete a dissociação entre o pensamento, o afeto e a sua vontade. E essa necrofilia prolifera e se multiplica quanto mais esse náufrago saboreia a sua insanidade projetada. As ciências humanas não conseguiram descobrir ainda as vacinas cívicas capazes de neutralizar as tendências mórbidas do homem, o que torna praticamente impossível controlar a morbidez social epidêmica.
http://aaciolitravessia.blogspot.com/2008/01/fascnio-mrbido.html


segunda-feira, 23 de junho de 2008

Virtual x Real por Diego Jucá
O ciberespaço e as transformações da vida cotidiana
http://walmarjuca.sites.uol.com.br/
Preocupar para controlar por Serge Tisseron
A profusão de programas de TV sobre violência (filmes, noticiários etc.) desenvolve um sentimento de perigo e de vulnerabilidade que leva – especialmente, as categorias mais desfavorecidas – a aceitar a exploração e a repressão crescentes e até a desejá-las.
http://diplo.uol.com.br/2003-01,a534
É preciso educar para a esperança por Zilda Arns
Nesta entrevista, ela fala sobre os elementos fundamentais de uma ação que pretende mudar o país. (Revista Epoca)
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI6342-15228,00-ZILDA+ARNS+E+PRECISO+EDUCAR+PARA+A+ESPERANCA.html
Meu país é uma fênix por Lya Luft
Não nos iludamos com alguns números da economia nem com os sorrisos da elite do poder. Estamos por baixo, e, se não aproveitarmos a ocasião para graves mudanças, seremos o subpovo de um subpaís, digno de piedade ...
http:/veja.abril.com.br/240805/ponto_de_vista.html
Primórdios da educação entre os homens por Aziz Nacib Ab`Sáber
O papel dos conhecimentos culturais primários na revitalização permanente do desenvolvimento humano.
http://www2.uol.com.br/sciam/artigos/primordios_da_educacao_entre_os_homens.html
Iniciativas para a proteção do clima por Jaffrey Sachs
O comprometimento com o estímulo a novas tecnologias é essencial para evitar um desastroso aquecimento global
http://www2.uol.com.br/sciam/artigos/iniciativas_para_a_protecao_do_clima.html
Células-tronco, embriões e a constituição por Lygia V Pereira
O desafio é desenvolver as pesquisas com embriões humanos de forma ética e transparente.
Jogo da Evolução -Sean B. Carroll, Benjamin Prud’homme e Nicolas G.
Dispositivos do DNA que decidem quando e onde os genes são ativados permitem aos genomas gerar a grande diversidade de formas animais a partir de um conjunto muito semelhante de genes
http://www2.uol.com.br/sciam/reportagens/o_jogo_da_evolucao.html
Ninguém pode mais se esconder
Hoje com meu celular, se eu vir que tem alguém lá embaixo fazendo uma coisa errada, eu posso tirar uma foto e daqui a dois minutos isso estará no mundo inteiro.
Interatividade da ciência e arte
Pesquisadores que trabalham com eletrônica, informática e arte demonstram as possibilidades de como suportes digitais e analógicos podem interagir com alguns sentidos; sons, cores/luzes, temperatura, movimento e tato, entre outros.
http://www.novae.inf.br/site/modules.php?name=Conteudo&pid=1021
WorldWide Telescope
O WWT é um ambiente de visualização rico que funciona como um telescópio virtual, unindo imagens dos melhores telescópios especiais e terrestres do mundo para oferecer uma grande experiência na exploração do universo. O programa é gratuito.
http://www.worldwidetelescope.org/
http://bp2.blogger.com/_icHVm8vRV8w/SDA6z12Z

sábado, 21 de junho de 2008

Demitidos da vida

Alvaro Acioli

As sociedades recorrem à privação da liberdade quando desejam punir violações às suas regras. Em geral afastam o transgressor de seu ambiente familiar. A expulsão do grupo, o banimento do próprio território, é o castigo extremo, porque rompe com todos os laços de familiaridade e de parentesco. Caça a identidade social do indivíduo. Essas formas de punição tentam, em todos os casos, provocar o arrependimento e conseguir a submissão às regras oficiais.A liberdade de ir e vir é indispensável; pois sem ela o homem não pode realizar sua experiência pessoal, nem desenvolver o que existe nele de mais humano. Mas o grande desafio da socialização é conseguir que essa liberdade de circular nunca desapareça, na intimidade psicológica dos homens, seja qual for a limitação que lhe imponham. Essa necessidade fundamental depende da educação social recebida. Principalmente dos valores e conceitos usados para construir a identidade pessoal. E também do grau de ameaça adotado no processo de socialização; se o medo é ensinado sob o disfarce de cuidado ou de proteção. A excessiva preocupação com as conseqüências pode criar uma incapacidade permanente de satisfação dos desejos. Tornando as frustrações internas mais perigosas que os obstáculos externos inevitáveis.O cultivo do medo promove a substituição da criação livre pela simples reprodução. Pode acentuar inibições e até bloquear as próprias reflexões, quando imaginadas como estando fora do modelo consagrado. Aumenta gradativamente os temores infantis até criar um estado de apreensão permanente, de medo vago que converte quase tudo em risco.Essa explicação serve para todos os valores ensinados de forma autoritária, sem estimular a compreensão infantil. Nesse modelo o que é desconhecido, por essa simples condição, torna-se arriscado e deve ser evitado. É essa a educação de nossas crianças, socializadas por camadas, como se a divisão da sociedade em classes fosse um fato real, uma contingência insuperável da sociedade humana. Os que estão fora das camadas particulares são vistos como estranhos perigosos. É essa a triste situação na qual são colocados os chamados meninos de rua, que crescem discriminados pelas crianças das classes mais favorecidas. É compreensível, por isso mesmo, que desenvolvam uma visão criminalizada do mundo, que se “aprisionem” entre o crime e o castigo, entre o fugir e o transgredir.Recordo Paulo Freire :..."Inauguram a violência os que oprimem, os que exploram, os que não se reconhecem nos outros; não são os oprimidos, os explorados, os que não são reconhecidos pelos que os oprimem como outro. Inauguram o desamor, não os desamados, mas os que não amam, porque apenas se amam. Os que inauguram o terror não são os débeis, que a ele são submetidos, mas os violentos que, com seu poder, criam a situação concreta em que geram os 'demitidos da vida', os esfarrapados do mundo".Nossas crianças estão sendo mais treinadas para participar de uma batalha social do que para viver numa sociedade com iguais. É indispensável que aprendam a crescer irmanadas, que sejam socializadas sem discriminações, principalmente econômicas.Não é possível conseguir que o humano se torne a imagem e a semelhança do divino, consagrando a desigualdade entre os homens.
http://aaciolitravessia.blogspot.com/2008/01/demitidos-da-vida.html


terça-feira, 3 de junho de 2008

Política-Chimpanzé

Leonardo Boff

A revolução brasileira necessária não quer apenas atar a veia aberta por onde se esvai o sangue de 50 milhões de brasileiros. Ela quer representar um fator de humanização mais alta. Numa palavra: postulamos a revolução porque queremos dar um passo mais profundo para dentro do reino do especificamente humano. Em que consite esse humano?
Consiste no fato singular de comparecermos como seres de socialidade, de cooperação e de convivialidade. Tal singularidade aparece melhor quando nos comparamos com os símios mais próximos como os chimpanzés. Em termos genéticos nos diferenciamos deles apenas por 1,6%. Eles também possuem vida societária. Mas se orientam pela lógica da dominação, da hierarquização e do assujeitamento do outro. Por isso as relações se apresentam pouco cooperativas e de dominação.
Ao surgir o ser humano, rompe-se essa lógica. Não sabemos exatamente a data, mas seguramente por volta de três milhões de anos atrás. Ao invés da competitividade e da subjugação entra a funcionar a cooperação. Concretamente, nossos ancestrais humanóides saiam para caçar, traziam os alimentos, e os repartiam socialmente entre eles. Não faziam como os outros primatas superiores que
comem cada um para si. Aqueles 1,6% de ácidos nucléicos e de bases fosfatadas próprias, fundam o humano enquanto humano, como ser de cooperação. Esses laços de solidariedade fizeram surgir também o enternecimento e a relação de cuidado de um para com um do outro. Foi essa relação que serviu de ambiente para o aparecimento da linguagem na qual reside a essência humana.
Essa interpretação da antropogênese é recorrente em grandes nomes das ciências da vida como os conhecidos cientistas chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela ou Frijhof Capra, Christian de Duve e outros. Humberto Maturana resume tudo dizendo:"O que nos faz seres humanos é nossa maneira particular de viver juntos como seres sociais na linguagem".
A cooperação impede a excessiva acumulação de um lado e o empobrecimento do outro. Ocorre que vige hoje um sistema social que se organiza não na troca cooperativa mas na troca competitiva na qual só o mais forte ganha. É o capitalismo, como modo de produção e como cultura, que representa a sobrevivência da política do chimpanzé em nós, no dizer de Humberto Maturana, vale dizer, daquela carga genética que temos em comum com os chimpanzés, parte que ainda não inaugurou o reino do humano com sua força socializadora e cooperativa. Por isso, esse sistema é individualista e excludente. Reafirma e magnífica o individuo e o eu à custa do nós. É essa lógica que permite a perversidade de 50 milhões de famintos e excluidos em nosso país, ao lado de 400 mil famílias de abastados.
Eis uma boa razão para querermos a revolução, para superarmos essa barbárie, para podermos ser mais humanos, mais seres de linguagem comunicativa, de relação e de solidariedade irrestrita.
Neste sentido, estamos ainda na ante-sala de nossa verdadeira humanidade. Dois terços dos humanos vivem em níveis de crueldade e sem piedade, vítimas da voracidade acumuladora da lógica-chimpanzé. A revolução necessária será por razões éticas e de com-paixão com nossos co-iguais. Com eles queremos repartir o pão, ser companheiros (cum panis) e companheiras na aventura planetária.
http://www.rbc.org.br/feijao/polichimpa.htm

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Uma luta fundamental

Alvaro Acioli

Virgem da Piedade deu à luz o nosso deus, Téete Mañuco. Ele aniquilou a humanidade antiga, fazendo cair sobre ela uma chuva de fogo. Depois criou o homem atual. E dividiu a humanidade em duas categorias: os índios e os Mistis (A palavra Misti designa não apenas os brancos, mas todos os que pertencem à classe dominante). Os Mistis tinham, e ainda têm o direito de fazer os índios trabalhar, chicoteando-os, se preciso. Os Mistis não são obrigados a trabalhar.
A divisão social instituída por Téete Mañuco será eterna; porque esse deus não pode perecer; todos os anos morre, numa sexta-feira, e ressuscita no sábado. Mas ele também fez o inferno e o céu. Todos vão para o inferno antes de irem para o céu. Vai-se para o inferno porque não há ser humano isento de pecado. Depois se vai para o céu. O céu é exatamente semelhante à terra. Mas, no céu, os que foram índios na terra transformam-se em Mistis e obrigam a trabalhar aqueles que eram seus amos, açoitando-os, se preciso. (Versão livre de texto recolhido em quíchua, na província de Carhuaz, Peru.)
Um dia, Confúcio foi passear até ao alto da porta da cidade e suspirou tristemente. Seu discípulo Yen Yen, que se achava a seu lado, perguntou-lhe:
- Por que suspira o Mestre?
Confúcio respondeu: Jamais chegarei a conhecer verdadeiramente o uso do Grande Caminho e os homens ilustres das Três Dinastias. E, no entanto, eles inspiram minha ambição. Quando o Grande Caminho era usado, todos tinham parte igual no mundo. Os cargos eram dados conforme o mérito e a competência, e os homens viviam na retidão e no afeto. Também não consideravam seus próprios pais como seus únicos pais, e seus próprios filhos como seus únicos filhos. As pessoas idosas terminavam tranquilamente seus dias e os homens robustos encontravam o trabalho que lhes convinha; os jovens recebiam educação e cuidava-se das viúvas e viúvos, dos órfãos e dos doentes. Os homens tinham suas ocupações e as mulheres o seu lar. Tinham horror ao desperdício e ainda assim não acumulavam bens para si próprios; repugnava-lhes a idéia de que sua energia não fosse plenamente empregada. E, não obstante, não a utilizavam para fins exclusivamente pessoais. Não podia haver, portanto, conspirações, nem ladrões, nem rebeldes, de modo que era inútil aferrolhar as portas. Era a época da Grande Unidade. (Versão de um texto de Li Ki, século II a.C. China).

A tarefa própria do gênero humano, tomado em sua totalidade, é atualizar continuamente a plenitude do poder do intelecto possível, primeiro tendo em vista a especulação, depois, como conseqüência, pela prática. Ora, as partes e o todo obedecem às mesmas leis; se o indivíduo adquire prudência e sabedoria vivendo pacífica e tranquilamente, o gênero humano, de modo análogo, se consagra muito livremente e de maneira muito fácil à sua tarefa própria, quando goza do repouso e da paz; a sua tarefa é quase divina, segundo a palavra santa: tu o colocaste pouco abaixo dos anjos. Donde se segue que a paz universal é o melhor de todos os meios que nos podem proporcionar a felicidade. (Tópicos extraídos de um texto de Dante De monarchia, 1308).

O fim de uma lei não é absolutamente abolir ou diminuir a liberdade, mas conservá-la e aumentá-la. Com efeito, em todos os Estados cujos membros são criaturas capazes de terem leis, onde não houver lei alguma não haverá também liberdade alguma. Pois a liberdade consiste em estar-se isento de constrangimento e de violência da parte de outrem; o que se poderia encontrar onde não houvesse lei, e onde não há, conforme dissemos acima, uma liberdade graças à qual cada um pode fazer o que lhe agrada. Pois, quem pode ser livre quando o humor ressentido de outro homem qualquer puder impor-se sobre ele e dominá-lo? (John Locke, Inglaterra. Segundo ensaio sobre o governo civil. 1690).

As poucas citações transcritas visam realçar a dimensão histórica da longa travessia humana. Mas uma grande distância ainda nos separa da consagração desses objetivos. Uma distância traduzida pela existência de 1,3 bilhões de miseráveis; pela morte diária de 35 mil crianças, por causa de epidemias ou subnutrição; por 850 milhões de pessoas sem acesso a uma ração alimentar básica; por uma globalização econômica que torna os países ricos cada vez mais poderosos e os estados pobres cada vez mais dependentes.
Em 1948, no Palácio de Chaillot, em Paris, foi proclamada uma Declaração que dava uma repercussão universal a essa luta por direitos que os povos de todas as culturas travam desde sempre.
Uma luta que em pleno terceiro milênio ainda está muito longe de realizar o seu objetivo principal: fazer do homem o centro de referência da sociedade dita humana.
Talvez isso só se torne possível quando a educação humana se fundar no ensino de seus direitos elementares.

domingo, 18 de maio de 2008

Prazer e Realidade

Alvaro Acioli
O inconsciente coletivo da sociedade está impregnado por idéias relacionadas a um consumismo compulsivo. É justamente essa espécie de "doença" que orienta o marketing impiedoso que está sendo aplicado, em todo o mundo, a tudo que é ou pode vir a tornar-se objeto de desejo ou produto para consumo.
Trata-se mais propriamente de uma verdadeira epidemia. Certamente a epidemia mais contagiosa, de todos os tempos, contra a qual não existe qualquer tipo de remédio eficaz ou vacina capaz de promover alguma imunidade preventiva. Sabe-se, apenas, graças a estudos e pesquisas realizados, que a virulência dessa onda epidêmica é diretamente proporcional ao volume de ilusões perdidas ou à quantidade de prazer reprimido, por indivíduos e sociedades.
Um imenso hipermercado. É isto que parece ou no que se transformou esse mundo interligado que habitamos, a terra do momento global.
A capacidade de consumir é o que estabelece agora o estágio de desenvolvimento dos países e o grau de cidadania das pessoas. Mas a variedade infinita de itens, que sobram nas prateleiras, desse hipermercado, tem um custo proibitivo para a grande maioria.
Entre os milhões de produtos, que lideram suas vendas, apenas dois estão ao alcance de todos e podem ser fartamente consumidos: os medos de todos os tipos e uma imensa variedade de ilusões, das mais simples às mais deslumbrantes.
Felizmente o inconsciente coletivo foi "preparado" historicamente para esse instante. Ele está hoje, mais do que nunca, completamente erotizado pelas experiências mais arcaicas de prazer e pela tentação compulsiva de produzi-las. Também está, além disso, povoado por recordações alegres, do tempo em que o imaginário, de todos os homens, girava em torno da satisfação de seus instintos e de suas pulsões mais secretas.
Não importa que as dificuldades se acentuem no grande mercado social. E que uns morram de fome enquanto outros morrem de comer. E também que aumente, constantemente, o privilégio dos mais ricos e as desventuras dos mais pobres.
É possível observar, por todos os lados, tentativas frenéticas de escapar das forças repressoras e dos autoritarismos: ora transgredindo, ora enganando ou até mesmo deixando-se aparentemente escravizar, por tarefas ou obrigações repudiadas intimamente. Um objetivo negado dos estadistas continua sendo alcançar o poder, obter mais privilégios, para viver, ainda que de uma forma fugaz, o prazer irresponsável dos absolutamente descompromissados.
Esse confronto entre opostos faz parte de uma força dinâmica intrínseca à sociedade humana, cuja selvageria lúdica se denuncia através dos conflitos renovados entre raças, credos e ideologias. Apesar de todos os pesares o consumo do prazer continua livre no universo mental da maioria, que busca ou tenta reviver a experiência paradisíaca dos tempos de Adão e Eva. A luta entre Dionísio e Prometeu, entre prazer e realidade, vai perdurar por todos os tempos e sobreviverá a todos os saberes.

sábado, 17 de maio de 2008

A dama da esperança

Manoel Fernandes Neto
"Histórias muito melosas
não tocarão as pessoas."
A missão de Judy Rodgers é louvável. A comunicadora tem um compromisso com a esperança e com o otimismo na conscientização dos meios de comunicação de massa, campanhas publicitárias e mensagens que são despejadas, diariamente, em busca de leitores e consumidores. O desafio é colossal; mas o caminho escolhido por ela agiganta-se com a organização de conversações proativas com produtores de conteúdo e diretores de empresas de comunicação.
Judy é criadora e coordenadora do projeto Images and Voices of Hope.
NovaE.inf.br - Como cobrir um fato como o recente acidente aéreo ocorrido no Brasil com um avião da empresa TAM, que vitimou 200 pessoas, e que em si nos traz uma avalanche de imagens negativas e desdobramentos políticos? Como manter a voz da esperança?
Judy Rodgers - Em tragédias como a do acidente da TAM, é claro que há imensa tristeza e pesar, e com certeza é preciso entender as causas. Porém, em muitas tragédias existem histórias de heróis que rapidamente aparecem para ajudar - em terremotos, inundações e acidentes onde não há morte instantânea para todos os envolvidos. Pode ser muito inspirador para as sociedades ouvir as histórias de heroísmo e grandeza, bem como os fatos da tragédia.
NovaE.inf.br - O pacifista e escritor israelense Amós Oz diz, em seu livro "How to Cure a Fanatic", de 2002, que o contrário da guerra não é o amor, não é a compaixão, não é a generosidade ou a fraternidade. O contrário da guerra, diz ele, é a Paz. Como esta visão racional pode ser sugerida aos dirigentes dos meios de comunicação de massa, quando estes constroem uma mídia extremamente emocional, para o bem e para o mal, visando unicamente aumentar a audiência e criar um véu invisível de alienação no público?
Judy Rodgers - O erro que cometem muitos dos tomadores de decisão na mídia é o pensamento de que as únicas emoções que atraem o público são as de medo, tristeza e raiva. Existem outras emoções, como admiração, respeito, gratidão, alegria, grandeza, amor, generosidade, etc. Elas são extremamente interessantes para as pessoas, quando as histórias são bem escritas. Às vezes nós, que somos da mídia, nos esquecemos de que as histórias devem ser fortes e bem escritas – histórias muito "melosas" não tocarão as pessoas. Mas histórias bem escritas, que envolvem as emoções positivas das pessoas, podem ser muito poderosas. NovaE.inf.br - Estudiosos da mídia e grupos de discussão na Internet apontam um fundamentalismo midiático do mundo, que seguem a doutrina estadunidense de defesa intransigente de "valores ocidentais" baseada em três pilares: enaltecer o consumo, desprezar atitudes em defesa do Planeta e comemorar uma cultura hedonista acima de valores espirituais. Já existem exemplos que contrariem esta realidade?
Judy Rodgers - Eu acho que ajuda pegarmos esses “três pilares”, individualmente. Com relação a enaltecer o consumo, podemos começar aqui com as empresas e agências de propaganda. Um bom exemplo é a mudança que a Unilever da Holanda fez recentemente, com sua campanha do Dove, “Beleza Verdadeira”, para o sabonete Dove. Esta campanha, que de fato vende sabonete, tem focado nos 5 últimos anos, ou algo em torno disso, em novas imagens de beleza – além de mulheres bonitas e magras.
Agora, a Unilever foi além, com sua nova campanha sobre “Beleza Interior”, na qual eles visam chamar a atenção para o problema de distúrbios alimentares nas mulheres. Outro lugar em que podemos encontrar exemplos é a McCann Erickson, Chile. O diretor-geral, Pablo Walker, e a vice-presidente de planejamento, Maribel Vidal, tomaram uma verdadeira liderança na mudança dos princípios da propaganda com relação a enaltecer o consumo. Quanto a desprezar as atitudes em defesa do Planeta, isto simplesmente não é mais verdade. Foi até dois anos atrás, mas agora há muitos exemplos na mídia liderando o caminho na defesa do Planeta. Há muitos para mencionar aqui, na verdade. Há, agora, o famoso filme de Al Gore sobre “Uma verdade inconveniente”; existem revistas como a Yes! www.yesmagazine.org
; Ode www.odemagazine.net ; e GreenBiz www.greenbiz.com . Há séries de TV, como Mercado Ético, sendo produzidas no Brasil por Christina Carvalho Pinto, etc. Há também muitas fontes de mídia que enfatizam os valores espirituais – especialmente na Holanda e nos Estados Unidos. NovaE.inf.br - No Brasil, poucas famílias detêm o monopólio de comunicação. Como convencer tais interesses sobre a importância de atitudes que despertem a formação do Ser Integral e esclarecido, quando o que está em jogo, para esses empresários, é o poder político e o aumento da receita publicitária, ficando em um plano bem secundário intenções dignas como o do IVE?
Judy Rodgers
- O Imagens e Vozes de Esperança nunca se opôs ao fato de os negócios da mídia terem lucro. Todos nós, que trabalhamos na mídia há anos, entendemos que essas não são (para a maioria) transações filantrópicas. Nós também achamos que aqueles que possuem negócios de mídia têm as mesmas esperanças e sonhos para suas famílias e para o Planeta, como todos têm. É por isso que usamos o diálogo como um método de entrosamento quanto à melhor forma de prosseguir.

http://aaciolitravessia.blogspot.com/2008/05/imagens-e-vozes-da-esperana.html
Manoel Fernandes Neto é jornalista e editor da revista NovaE
( http://www.novae.inf.br/ )


quarta-feira, 23 de abril de 2008

Vôos Existenciais

Alvaro Acioli
O exercício extremado de qualquer papel social conduz a uma tensão de expectativa, nem sempre suportável. O ideal é tentarmos – na representação de qualquer papel – ser apenas o melhor possível ; pai, amigo, mãe, parceiro, etc.
Esse procedimento abre espaço para um “não ser” ou um “não acontecer” como se gostaria, acabando por afastar-nos da ilusão de que podemos manter todas as situações da vida sob controle. Uma possibilidade, aliás, sempre dificil. E tanto mais remotamente possível quanto menos dependentes elas forem de nossas ações.Certa vez perguntaram-me se era possível aos pais não se preocuparem intensamente quando um filho ou uma filha saem à noite, para uma “esticada”, nesse mundo cheio de riscos e perigos. Comentei que achava a situação bem parecida com a do passageiro de avião. No tempo em que os aviões voavam baixo eu vivi uma situação interessante. Estava indo para Porto Alegre. Quando a aeronave passou por Santa Catarina (zona aérea de muita turbulência) começou a sacudir intensamente.
O passageiro a meu lado fazia mil caras e bocas, apertava as mãos, gemia. E eu quieto no meu canto. Irritado com minha tranqüilidade ele perguntou asperamente se eu não estava com medo ou se aquela era a maneira que eu usava justamente para disfarçá-lo.
Eu respondi que quando entrava no avião assumia todos os riscos de ter entrado, inclusive o de não chegar ao destino. E que aproveitava o tempo para fazer um balanço de minha vida. E que tentava, nessa análise, reduzir as minhas dificuldades existenciais dominantes na ocasião.
Até porque o meu papel na circunstância era o de passageiro e não o de tripulante. E na condição de passageiro eu nada podia fazer para afastar perigos que pudessem rondar as aeronaves que me transportavam. Certamente essa atitude não mudava em nada o risco concreto dos vôos, mas melhorava extraordinariamente a minha vivência durante os mesmos.
Meu interlocutor ficou subitamente calmo e nossa conversa “amena” só foi interrompida pelo aviso de que o avião se preparava para pousar no aeroporto Salgado Filho.
Os pais e mães, ou os que representam esses difíceis papeis no contemporâneo, vivem a contingência dos passageiros de avião. Durante o tempo da “viagem” em que estão envolvidos o melhor é se ocuparem com reflexões concretas do dia-a-dia. E não ficarem tentando saber o que está acontecendo com a “aeronave” (que barulho é esse no motor da direita, será que a cabine está despressurizando, etc) porque isso só agrava os temores colhidos na fabulosa capacidade inconsciente de produzir terrores. Afinal, na existência contemporânea, estamos sempre com medo de alguma coisa ou nos culpando por alguma razão. Em meu momento existencial presente – o de padecente de uma inoportuna gripe – é preferível eu idealizar o que vou fazer quando esse mal estar for controlado. E não insistir em indagar o por que de a medicação prescrita com competência, por meu clinico particular, não ter dado ainda resultados concretos. Agir assim só me leva a agravar o prognóstico da gripe ou a estabelecer diagnósticos desfavoráveis e até ameaçadores do tipo eu estou é iniciando um quadro de dengue hemorrágica.
Vamos tentar viver durante nossos "vôos existenciais" com menos sobressaltos, imaginando que http://aaciolitravessia.blogspot.com/2008/04/cu-de-brigadeiro.htmlestamos sempre surfando num céu de brigadeiro..
http://aaciolitravessia.blogspot.com/2008/04/cu-de-brigadeiro.html

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Tristes certezas

Alvaro Acioli
É certo que o grande objetivo do mito da globalização é controlar as nações que não participam
do Clube dos Sete que domina o mundo. Mas é também certo que esse próprio mito
acaba servindo como uma excelente justificativa para que os governos
dessas nações dependentes justifiquem os abusos e indignidades que praticam.
É certo, no caso brasileiro, que os planos econômicos impostos
coincidem num ponto : todos, sem qualquer exceção, aumentaram a concentração
de renda, diminuindo mais ainda o número de privilegiados
que controlam a economia do pais. E que a consequência social
desses planos, em última instância, foi a multiplicação do número dos "excluídos",
ainda que cada um deles tivesse um nome, uma consciência,
embora nem sempre trabalho, um lugar onde morar e comida para matar a fome.

É certo que "crime contra a economia popular" transformou-se numa figura penal arcaica ou retórica. A complexidade dos mecanismos burocráticos, para usufruto dos direitos legais, acaba desestimulando as vítimas. Isso vale até mesmo para os chamados juizados de pequenas causas, por enquanto uma louvável intenção de mudança, com resultados bastante incipientes.
É certo que, apesar de tudo isso e muito mais, as Constituições democráticas, como a nossa, continuarão proclamando que uma vida digna e plenamente livre é direito fundamental dos cidadãos.
É certo que o mérito é cada vez menos levado em consideração ; que o nepotismo, servindo-se das exceções legais, continua um instituto inabalável.
É certo que o respeito a padrões morais tornou-se uma raridade, qualquer que seja o panorama social examinado.
É certo que ter é cada vez mais importante do que ser, em nossa sociedade completamente dominada pelas chamadas leis de mercado que, em última instância, mantêm a exploração dos mais fortes pelos mais fracos.
É certo que ensinar tornou-se uma atividade pouco nobre, obrigando os governos democráticos a aviltar a remuneração dos que insistem nessa prática condenável.
É certo que a falta de hábito e de convicções cívicas desvirtualiza ainda mais os processos eleitorais, facilitando o crescimento assustador do estelionato político; a maioria dos compromissos, assumidos pelos candidatos, a todos os postos, são na grande maioria irrealizáveis, não passando de falsas promessas.
É certo que a erotização virou a maior arma de venda da sociedade de consumo, tornando o corpo humano a mercadoria mais barata, nas ofertas do dia-a-dia.
É certo que a aglomeração urbana satanizou as cidades,

espalhando todos os tipos de temores, principalmente o medo de ter medo.
É certo que, de um abrigo restaurador de forças, as moradas humanas acabaram virando verdadeiras prisões, que apenas diferem pela localização geográfica ou pelo conforto ou desconforto que oferecem.
É certo que tudo isso tem de deixar um dia de ser certo, certamente quando o homem redescobrir a natureza e reaprender com ela a sua singela lição de harmonia e simplicidade; quando as palavras de paz prevalecerem no vocabulário dos homens, hoje inteiramente dominado pelas mensagens de guerra ; quando os homens não escravizarem mais outros homens e tornarem a liberdade
o objetivo comum da espécie
humana..

quinta-feira, 10 de abril de 2008

A destrutividade humana

Alvaro Acioli
A agressividade humana estaria aumentando ou suas manifestações sofreram a influência do avanço tecnológico e, principalmente, do processo de urbanização das cidades ?
A violência, sob as mais diversas formas de apresentação, transformou-se no foco central de atenção da sociedade. Discute-se hoje como se a violência fosse uma realidade em si mesma, não mais explicável pelo saber teórico das disciplinas que se ocupam do comportamento humano, para transformar-se num problema de segurança pública.
A idéia fixa da insegurança tornou a busca da segurança a grande obsessão da sociedade global. E providencias nesse sentido, individuais, sociais ou internacionais, instrumentam o debate sócio-político, na busca de soluções e alternativas.
Os operadores do direito clamam por agravamento dos castigos penais. Os políticos falam em tolerância zero com os transgressores. Pode-se dizer que o combate à violência é o tema permanente dos principais veículos de comunicação de massa.
À guisa de uma pequena contribuição ao debate instalado, faremos uma sucinta análise de reflexões que nos legou Erich Fromm, sobre o tema, principalmente em seu livro “Anatomia da Destrutividade Humana”.
Diga-se, desde logo, que essa preocupação obsessiva castiga nossa sociedade há muito tempo. Quando o jornal Estado de São Paulo publicou ampla reportagem sobre a violência, em 1985, já ocorriam no mundo quarenta e um focos de tensão e zonas de guerra. Esses acontecimentos predominavam nos países do Terceiro Mundo, que é o cenário onde repercutem as disputas entre as grandes potências.
Os conflitos variavam desde guerra entre Estados, incursões ou invasões, incidentes de fronteira, movimentos de guerrilha, atentados terroristas, zonas de tensão, guerras civis, rebeliões locais religiosas ou nacionalistas e lutas contra ocupação estrangeira.
Os confrontos bélicos contemporâneos foram de tal forma incorporados à realidade globalizada que perderam em importância, para a grande mídia. E só retornam a esse palco iluminado quando grandes atrocidades são praticadas ou fatos de extrema gravidade – ainda não banalizados pelo noticiário continuado – voltam a acontecer em alguma parte do planeta.
Em sua obra, Fromm tentou uma compreensão pessoal da destrutividade humana, também preocupado em identificar novos caminhos para intervenções pontuais ou contribuições preventivas. O seu livro, já citado, é um documento denso, sério e preocupante.
Mas é também uma análise lúcida e rica em reflexões estimulantes. Mostra, por exemplo, que o marco do ingresso na nova sociedade urbana foi a consagração dos controles : sobre e natureza, os escravos, as mulheres e as crianças.
Além de modificar os processos naturais, o homem patriarcal conseguiu, com sua técnica, o domínio e o controle do próprio homem ; criou lideranças que em nome da organização social assumiram o poder e o seu exercício de uma forma discricionária.
A tese básica desse modelo era a de que somente o exercício do poder permite o controle da natureza e do próprio homem. A crença na superioridade física e mágica dos dirigentes consagraria a obediência e a submissão, promovendo a acomodação e o conformismo geral.
Na pré-história o exercício da autoridade era racional ; os líderes guiavam e aconselhavam o povo, sem explorá-lo e buscando, preferencialmente, uma aceitação voluntária de suas lideranças.
Já a autoridade do modelo patriarcal, que lhe sucedeu, consolidou-se pela força e pelo autoritarismo. Explorava o medo para consolidar o temor reverencial e a subserviência, os dois baluartes de seu pensar autocrático.
Começou provavelmente aí o exercício do poder pelo domínio que exalta a servidão, no qual a aparência de organização e eficiência apenas encobre a estrutura sádica subjacente.
A mutilação, a tortura e a morte dos adversários, aprisionados, era motivo de glória e de exaltação, para os monarcas egípcios. “A essência do sadismo é a paixão pelo controle ilimitado, divino, sobre os homens e as coisas”. Fromm tentou demonstrar que as sociedades não-agressivas não são tão raras, como muitos acreditam. Para ele, por outro lado, a agressividade não é somente uma manifestação individual ; faz parte de um quadro maior, guardando uma relação direta com o grau de organização dos agrupamentos sociais, a forma de funcionamento do poder e a divisão de classes, entre muitos outros aspectos. A agressividade é entendida como parte do caráter social, não sendo vista como traço isolado do comportamento individual.
Uma cuidadosa análise de vários estudos antropológicos levou Fromm a dividir as trinta sociedades examinadas, em três grupos : AFIRMATIVAS DA VIDA, AGRESSIVAS NÃO-DESTRUTIVAS E DESTRUTIVAS.
A preservação da vida e o desenvolvimento humano, sob todas as suas formas, são os pontos comuns às ditas sociedades afirmativas da vida.
Nelas, o relacionamento entre as pessoas é realizado com um mínimo de hostilidade, violência ou crueldade. Não existem punições drásticas e o crime é acontecimento raríssimo. A guerra ou não ocorre ou tem dimensão insignificante.
As crianças são socializadas com ternura e não recebem punições físicas severas. Existe igualdade no tratamento entre homens e mulheres ou as mulheres não são exploradas nem humilhadas.
Repressão sexual, inveja, cobiça e exploração são sentimentos raros. A cooperação social se sobrepõe ao individualismo e à competição. É próprio somente aquilo que é usado ; ninguém acumula o que não precisa ou não consegue utilizar. A alegria predomina sobre o humor depressivo.
As atitudes comunitárias mais valorizadas são a lealdade e a confiança. Curiosamente, entre essas sociedades, existem algumas com fartura de alimentos e outras com altos índices de escassez.
Os fatores econômicos, a pobreza e a riqueza não são estímulos determinantes ou decisivos no desenvolvimento do perfil comportamental predominante.
Quanto às sociedades agressivas não-destrutivas Fromm observou que nelas a agressividade e a guerra são ocorrências comuns, embora não assumam grande relevância social ; e que o mesmo ocorre com a competição e o individualismo.
Embora não sejam sociedades dominadas pela destrutividade, crueldade ou desconfiança, a cordialidade e a lealdade não são práticas costumeiras. Tratam-se, enfim, de sociedades autoritárias, onde é muito acentuado o desejo ou a necessidade de adquirir, possuir e mandar.
Por fim, as principais características das sociedades destrutivas são : relação interpessoal marcada por acentuada violência, destrutividade e agressividade - tanto entre os seus membros quanto contra outros grupos ou sociedades.
A crueldade e o sadismo dominam a cena cotidiana. A guerra é praticada por prazer ; a perversidade e a traição são atividades rotineiras. A hostilidade, a tensão e o medo impregnam a atmosfera que se respira nessas sociedades.
A competição apresenta altos índices . A apropriação e o não uso, é o que define o modelo da propriedade. A busca do poder, pelo poder, é a grande meta individual.
O exemplo mais expressivo desse grupo foi oferecido pelos Dobuanos, povo estudado por Ruth Benedict. Resumo o resultado desse trabalho : “A vida em Dobu incentiva as formas extremas de animosidade e de malignidade... Os dobuanos vivem sem culpa os piores pesadelos de vontade maléfica do universo. A virtude consiste em selecionar as vítimas sobre as quais se poderá jogar a malignidade atribuida, a um só tempo, à sociedade humana e aos poderes da natureza. Toda a existência lhes surge como uma luta implacável, em que os antagonistas mortais são lançados uns contra os outros, numa disputa de cada um para alcançar os bens que a vida oferece. A suspeição e a crueldade são as suas armas de confiança nessa luta. Eles não concedem nenhuma misericórdia mas também não esperam recebê-la de ninguém nem em qualquer circunstância”.
Nossa sociedade apresenta pontos de identidade e de semelhança com todos os grupos sociais referidos. Os fatos evidenciam que permanece a incapacidade social de conviver, harmonicamente, com a crítica radicalizada e com os que violam seus paradigmas comportamentais.
Muitos freios naturais foram sendo abandonados pelo homem em sua longa caminhada. Entre os humanos, diversamente do que acontece com os animais, “lobo continua comendo lobo”.
O início da humanidade continua dependendo da capacidade humana de distinguir o bem do mal, como as religiões e as filosofias insistem desde tempos imemoriais.
A loucura não pode mais continuar a ser considerada como manifestação individual exclusiva, mas como um fenômeno social - uma representação particular, assumida no interior de um sistema social que lhe deu origem.
O mesmo pode ser dito da violência humana e de sua destrutividade. Nossa sociedade está desafiada a ressocializar-se por inteiro.
Ajuda a manter a esperança de um grande avanço ético, no cenário humano, a certeza de que nosso destino não depende irremediavelmente desse presente povoado por tantos comportamentos regressivos, individuais e sociais.
É certo que será por ele influído mas esse mesmo presente pode nos conduzir a um universo de possibilidades infinitas.
http://aaciolitravessia.blogspot.com/2008/04/o-problema-da-destrutividade-humana.html

sexta-feira, 28 de março de 2008

A bomba da informação

A saúde mental depende de fatores políticos, econômicos, ambientais, antropológicos, sociológicos, psicológicos e biológicos. Somente em parte é o resultado de ações ou procedimentos realizados na área médico-sanitária.
A vulnerabilidade a uma enfermidade mental e a evolução do padecimento guarda uma relação direta com a qualidade da vida social dos atingidos. O envelhecimento da população e a urbanização das cidades também acentuam o impacto na saúde pública e as repercussões sociais das enfermidades mentais.
A ONU e seus organismos especiais, como a OMS, têm tido uma extrema dificuldade para enfrentar os fenômenos simultâneos de globalização e fragmentação, característicos do mundo atual, que têm reflexos indiscutíveis sobre todas as dimensões relacionadas com a saúde do homem contemporâneo. .
Já existia no século XIX uma comunicação mundial. Era, porém um processo lento, caro e limitado, em termos de quantidade de informação. Para exemplificar basta dizer que a Europa só soube do assassinato de Lincoln, treze dias depois de ocorrido o fato. Hoje bastam treze segundos para que qualquer acontecimento repercuta em todo o universo.
O que caracteriza o atual estágio da globalização são a velocidade, a facilidade e a precisão com que a informação percorre o mundo. A crise do mercado internacionalizado espalha o pânico e a incerteza, por todos os lados. E a racionalidade econômica, que não se preocupa com o destino do homem, favorece o recrudescimento de todas as modalidades de irracionalismo. Existe uma oposição absoluta entre o mercantilismo que busca a maximização da produtividade e do lucro e as necessidades dos trabalhadores, em termos de saúde, condições psicossociais e qualidade de vida. Pobreza, subemprego, desemprego, problemas familiares, desastres causados pelo homem ou por eventos naturais, violência contra as mulheres, as crianças e os velhos, são alguns fatores que influenciam negativamente a saúde mental.
Será que a globalização vai acabar unificando o pensamento mundial, gerando um consenso asfixiante? Curiosamente a globalização tem ensejado também o aparecimento de tendências opostas. No campo da música e da literatura, culturas de minorias étnicas, regionais e nacionais, ganharam uma aceitação expressiva no mercado.
Em verdade as manifestações culturais típicas, pelo seu extraordinário dinamismo, sempre resistiram aos impactos tecnológicos, como ocorreu no advento da imprensa, do rádio e da televisão.
Mas o último relatório da ONU, sobre o desenvolvimento humano é bem preocupante; mostra que a globalização não beneficia a todos, de maneira uniforme. Uns ganham excessivamente, outros muito pouco e a grande maioria perde.
Nas megacidades globais a prosperidade contrasta com formas gritantes de miséria, com índices brutais de exclusão. A deterioração do quadro social, causada pelo aprofundamento da crise econômica e pela globalização, está redefinindo a natureza da questão urbana, também em nosso país, ampliando os desafios, sobretudo os colocados pela saúde mental. A ruptura do tecido urbano e a expansão da ilegalidade obrigam uma urgente reavaliação crítica e novos pressupostos teóricos.
Os arautos da globalização continuam prometendo uma nova vida, para todos, com a internacionalização da cultura e da tecnologia. Mas os descrentes, como Paul Virilio, acham que na era da tele-tecnologia o tempo real virou mundial, transformando-se num tempo histórico sem referência. Para ele os acidentes também se universalizam; a bomba da informação, além dos danos irreparáveis que está causando à saúde mental dos povos, em todo o mundo, pode tornar-se mais destruidora que a lançada sobre Hiroxima.


AAcioli
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