sábado, 21 de junho de 2008

Demitidos da vida

Alvaro Acioli

As sociedades recorrem à privação da liberdade quando desejam punir violações às suas regras. Em geral afastam o transgressor de seu ambiente familiar. A expulsão do grupo, o banimento do próprio território, é o castigo extremo, porque rompe com todos os laços de familiaridade e de parentesco. Caça a identidade social do indivíduo. Essas formas de punição tentam, em todos os casos, provocar o arrependimento e conseguir a submissão às regras oficiais.A liberdade de ir e vir é indispensável; pois sem ela o homem não pode realizar sua experiência pessoal, nem desenvolver o que existe nele de mais humano. Mas o grande desafio da socialização é conseguir que essa liberdade de circular nunca desapareça, na intimidade psicológica dos homens, seja qual for a limitação que lhe imponham. Essa necessidade fundamental depende da educação social recebida. Principalmente dos valores e conceitos usados para construir a identidade pessoal. E também do grau de ameaça adotado no processo de socialização; se o medo é ensinado sob o disfarce de cuidado ou de proteção. A excessiva preocupação com as conseqüências pode criar uma incapacidade permanente de satisfação dos desejos. Tornando as frustrações internas mais perigosas que os obstáculos externos inevitáveis.O cultivo do medo promove a substituição da criação livre pela simples reprodução. Pode acentuar inibições e até bloquear as próprias reflexões, quando imaginadas como estando fora do modelo consagrado. Aumenta gradativamente os temores infantis até criar um estado de apreensão permanente, de medo vago que converte quase tudo em risco.Essa explicação serve para todos os valores ensinados de forma autoritária, sem estimular a compreensão infantil. Nesse modelo o que é desconhecido, por essa simples condição, torna-se arriscado e deve ser evitado. É essa a educação de nossas crianças, socializadas por camadas, como se a divisão da sociedade em classes fosse um fato real, uma contingência insuperável da sociedade humana. Os que estão fora das camadas particulares são vistos como estranhos perigosos. É essa a triste situação na qual são colocados os chamados meninos de rua, que crescem discriminados pelas crianças das classes mais favorecidas. É compreensível, por isso mesmo, que desenvolvam uma visão criminalizada do mundo, que se “aprisionem” entre o crime e o castigo, entre o fugir e o transgredir.Recordo Paulo Freire :..."Inauguram a violência os que oprimem, os que exploram, os que não se reconhecem nos outros; não são os oprimidos, os explorados, os que não são reconhecidos pelos que os oprimem como outro. Inauguram o desamor, não os desamados, mas os que não amam, porque apenas se amam. Os que inauguram o terror não são os débeis, que a ele são submetidos, mas os violentos que, com seu poder, criam a situação concreta em que geram os 'demitidos da vida', os esfarrapados do mundo".Nossas crianças estão sendo mais treinadas para participar de uma batalha social do que para viver numa sociedade com iguais. É indispensável que aprendam a crescer irmanadas, que sejam socializadas sem discriminações, principalmente econômicas.Não é possível conseguir que o humano se torne a imagem e a semelhança do divino, consagrando a desigualdade entre os homens.
http://aaciolitravessia.blogspot.com/2008/01/demitidos-da-vida.html


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