terça-feira, 3 de junho de 2008

Política-Chimpanzé

Leonardo Boff

A revolução brasileira necessária não quer apenas atar a veia aberta por onde se esvai o sangue de 50 milhões de brasileiros. Ela quer representar um fator de humanização mais alta. Numa palavra: postulamos a revolução porque queremos dar um passo mais profundo para dentro do reino do especificamente humano. Em que consite esse humano?
Consiste no fato singular de comparecermos como seres de socialidade, de cooperação e de convivialidade. Tal singularidade aparece melhor quando nos comparamos com os símios mais próximos como os chimpanzés. Em termos genéticos nos diferenciamos deles apenas por 1,6%. Eles também possuem vida societária. Mas se orientam pela lógica da dominação, da hierarquização e do assujeitamento do outro. Por isso as relações se apresentam pouco cooperativas e de dominação.
Ao surgir o ser humano, rompe-se essa lógica. Não sabemos exatamente a data, mas seguramente por volta de três milhões de anos atrás. Ao invés da competitividade e da subjugação entra a funcionar a cooperação. Concretamente, nossos ancestrais humanóides saiam para caçar, traziam os alimentos, e os repartiam socialmente entre eles. Não faziam como os outros primatas superiores que
comem cada um para si. Aqueles 1,6% de ácidos nucléicos e de bases fosfatadas próprias, fundam o humano enquanto humano, como ser de cooperação. Esses laços de solidariedade fizeram surgir também o enternecimento e a relação de cuidado de um para com um do outro. Foi essa relação que serviu de ambiente para o aparecimento da linguagem na qual reside a essência humana.
Essa interpretação da antropogênese é recorrente em grandes nomes das ciências da vida como os conhecidos cientistas chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela ou Frijhof Capra, Christian de Duve e outros. Humberto Maturana resume tudo dizendo:"O que nos faz seres humanos é nossa maneira particular de viver juntos como seres sociais na linguagem".
A cooperação impede a excessiva acumulação de um lado e o empobrecimento do outro. Ocorre que vige hoje um sistema social que se organiza não na troca cooperativa mas na troca competitiva na qual só o mais forte ganha. É o capitalismo, como modo de produção e como cultura, que representa a sobrevivência da política do chimpanzé em nós, no dizer de Humberto Maturana, vale dizer, daquela carga genética que temos em comum com os chimpanzés, parte que ainda não inaugurou o reino do humano com sua força socializadora e cooperativa. Por isso, esse sistema é individualista e excludente. Reafirma e magnífica o individuo e o eu à custa do nós. É essa lógica que permite a perversidade de 50 milhões de famintos e excluidos em nosso país, ao lado de 400 mil famílias de abastados.
Eis uma boa razão para querermos a revolução, para superarmos essa barbárie, para podermos ser mais humanos, mais seres de linguagem comunicativa, de relação e de solidariedade irrestrita.
Neste sentido, estamos ainda na ante-sala de nossa verdadeira humanidade. Dois terços dos humanos vivem em níveis de crueldade e sem piedade, vítimas da voracidade acumuladora da lógica-chimpanzé. A revolução necessária será por razões éticas e de com-paixão com nossos co-iguais. Com eles queremos repartir o pão, ser companheiros (cum panis) e companheiras na aventura planetária.
http://www.rbc.org.br/feijao/polichimpa.htm
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