quarta-feira, 23 de janeiro de 2008
Desmame Social
No turbilhão das dificuldades que nos cria o hoje paradoxal, é preciso reexaminar o modelo que força a procura incontrolável de certezas. Deve-se tentar viver a vida sem estabelecer horizontes fixos ou imutáveis. E muito menos se deixar seduzir por um único objetivo, cuja perda pode acabar com toda o projeto existencial. Como a incerteza virou norma social, a instabilidade acabou se transformando na constante do comportamento humano. Por isso mesmo, o objetivo maior das terapêuticas psicológicas não é hoje a busca da estabilidade absoluta, em qualquer circunstância. Mais modestamente, todas as correntes psicoterapias tentam apenas reduzir a amplitude das flutuações comportamentais, visando facilitar a conturbada viagem humana. Ao longo do tempo, o exercício da maternidade sempre sacrificou a mulher, dificultando-lhe uma realização mais completa, ao absorver quase todo o tempo disponível. Mas agora a relação entre os papéis de mulher e de mãe tornou-se ainda mais crítica. Novas exigências aumentaram essas dificuldades, causando um sentimento freqüente de incapacidade e culpa. Gostaria de dedicar algumas reflexões às mulheres que tentam representar esse papel social crescentemente angustiante; ser mãe hoje, num momento inteiramente contraditório e indefinido. A propalada igualdade social entre homens e mulheres está acentuando esse conflito. Em sociedades como a nossa, a maior participação da mulher no mercado de trabalho não reduziu suas obrigações históricas. Elas continuam carregando a responsabilidade maior pela educação dos filhos, a administração da casa e da complicada economia doméstica.A realização dos papeis de mulher e mãe precisa reduzir as mútuas complicações. A mitificação da maternidade parece uma maneira camuflada de manter um acentuado grau de escravização da mulher.O acumulo de funções da maternidade continua impedindo a mulher de realizar uma identidade plena. O desmame está se tornando cada vez mais difícil. As campanhas de estímulo ao aleitamento materno, tão necessárias e louváveis, devem fixar prazos menos extensos para o chamado "período de amamentação". Amamentar sim, ao seio e com carinho, mas apenas pelo tempo necessário ao fortalecimento das defesas orgânicas e psicológicas.Uma realidade dos tempos modernos, do desemprego globalizado, é o prolongamento do período infância-adolescência. E isso se caracteriza por um comportamento paradoxal, sobretudo dos mais jovens: exigem mais liberdade e buscam - ao mesmo tempo - mais proteção materna. Esses jovens clamam por independência e autonomia, da casa para fora. Dentro de casa não querem abandonar o berço nem deixar de receber regularmente suas mamadeiras simbólicas.Os descasados estão voltando sem o menor constrangimento para a casa materna, para o colinho aquecido que não conseguem dispensar. Isto quando não premiam suas queridas mamães com a "oportunidade" de cuidar também das crianças que estão colocando ludicamente no mundo. Para que a maternidade não se torne um castigo permanente, é preciso encontrar uma maneira de assegurar o desmame social de todos os filhos, principalmente dos que se tornaram pais ou parceiros. Uma boa maneira de homenagear a mãe-mulher, nos dias que estamos vivendo, é conseguir que os filhos-maridos reduzam suas exigências e cobranças, frequentemente descabidas ou insuportáveis.
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