terça-feira, 2 de setembro de 2008

Fascínio mórbido

O vocábulo grego nekros significava “cadáver”, habitante dos infernos. Nekros refere-se aos mortos e não à morte, ao corpo morto ou assassinado. Necrofilia é amor ao que é morto. Trata-se de comportamento muito mais freqüente do que geralmente se supõe .Mas dificuldades práticas impedem que essa perversão encontre facilidades objetivas de satisfazer-se. Por isso a grande maioria dos necrófilos vale-se de fantasias ou de outras representações. (É aí que situo a contribuição da mídia). Dificilmente pode-se calcular o número de pessoas com esse problema, porque raramente elas são descobertas ou se confessam. A paixão de destruir, ”de despedaçar as estruturas vivas”, é uma outra forma da necrofilia se manifestar. E pode aparecer precocemente, já na infância. Esse desejo de despedaçar aquilo que é vivo encontra sua expressão mais nítida no impulso para desmembrar o corpo, bem visível no comportamento de certos assassinos. Esses necrófilos homicidas desejam mais esquartejar a vítima do que simplesmente executá-la. Postar-se perto de cadáveres, de cemitérios ou de qualquer objeto em decomposição é uma outra maneira da necrofilia se exteriorizar. Von Hentig cita os “farejadores”, pessoas para as quais o cheiro de excrementos humanos ou de qualquer coisa pútrida é excitante. Foi o filósofo espanhol Miguel de Unamuno quem primeiro utilizou o termo necrófilo para caracterizar um traço de caráter, ao invés de uma perversão. Mas é de Erich Fromm um dos estudos mais cuidadosos já realizados sobre o caráter necrófilo. Trata-se de uma atração apaixonada por tudo o que é morto, pútrido, doentio. Uma volúpia de transformar o que é vivo em algo sem vida. O ato de destruir pelo prazer de destruir. No caráter necrófilo os conflitos e os problemas têm ser resolvidos pela força e pela violência. A força, ou como disse Simone Weil, “o poder de transformar um homem num cadáver - é a primeira e a última solução para tudo. Os problemas da vida devem ser resolvidos pela destruição e nunca pela construção.” O interesse particular do necrófilo em relação às coisas mortas é quase sempre verificado não apenas em sua conversação, mas na maneira como lê o noticiário: examinam em primeiro lugar as notícias de morte, os obituários. Ele gosta também de conversar tudo sobre a morte: de que morreram as pessoas, em que condições, quem morreu recentemente, quem parece que vai morrer, e assim por diante. Gosta de freqüentar os velórios e os cemitérios e geralmente não perde ocasião de fazê-lo, toda vez que o fato mostra-se socialmente oportuna. É fácil verificar que essa afinidade com os enterros e os cemitérios é apenas uma forma de certo modo atenuada de um interesse mais gritante e manifesto pelos necrotérios e pelos túmulos, já comentados. O necrófilo é um desmancha-prazeres, um esterilizador da alegria do grupo. Entedia mais que anima. A vida do necrófilo é comandada pelo que não está vivo. Lewis Mumford mostrou que a conexão entre a destrutividade e as “megamáquinas” não é fenômeno recente ; já existia na Mesopotâmia e no Egito, há cerca de cinco mil anos. Os produtos finais da megamaquina do Egito eram túmulos colossais, habitados por corpos mumificados. Na Assíria, como ocorreu em todos os outros impérios em expansão, o principal testemunho de sua eficiência técnica era um deserto de aldeias e cidades destruídas, assim como solos envenenados; o protótipo das atrocidades modernas. As grandes massas cultuam hoje os artefatos mecânicos, desprovidos de afeto. Não mostram maior interesse pelas pessoas, pela natureza e pelas estruturas vivas. Há homens que sentem mais ternura por seus automóveis que por suas famílias. A sociedade necrofilizada atual fundiu a técnica com a destrutividade. O culto da máquina e da velocidade, a glorificação da guerra, a destruição de todos os valores culturais, um ódio gratuito pelas minorias, são seus traços principais. Essa sociedade estabeleceu também uma relação da rapidez com a coragem e da lentidão com a covardia. Para ela, a embriaguez das grandes velocidades, em bólidos assassinos, consagra a alegria de seus condutores, que passam a sentirem-se como verdadeiras divindades cinéticas. A fusão da técnica com a destrutividade, que se tornou bem visível, a partir da segunda guerra mundial, acabou por consagrar-se definitivamente na recente guerra do Iraque. Colocado na cômoda posição de um mero intermediário da destruição tecnológica, o homem pode eximir-se da conseqüência de seus atos. O importante é subjugar o inimigo, “vencer a guerra”, rapidamente, pelo menor preço possível. A morte de civis indefesos é um mero efeito colateral do conflito bélico, como disse recentemente um comandante das tropas dos EUA, em operação no Iraque.No show-bélico da atualidade as mortes são vivenciadas como se o telespectador estivesse participando de um videogame. Falta, nessa morte transmitida eletronicamente, o componente orgânico, a relação física direta. E os próprios combatentes, ao serem colocados na posição de meros intermediários da destruição tecnológica, podem eximir-se de culpas, em relação às mortes decorrentes de seus atos. A guerra é agora um grande show tecnológico, com direito a transmissão simultânea, para todo o mundo. Hoje não se informa mais sobre os bombardeios realizados no campo do inimigo; transmite-se ao vivo. O espectador é levado à condição de co-piloto dos aviões de guerra, com direito a satisfazer a sua voraz necrofilia, da forma mais regredida possível. O simbolismo da morte não é mais o odor desagradável de excrementos ou de cadáveres; seus símbolos atuais são máquinas limpas, que brilham. Mas a realidade por detrás dessa fachada anti-séptica torna-se cada vez mais visível. O homem está transformando o mundo num lugar malcheiroso e envenenado, em nome de um progresso cada vez mais dedutível. Ele polui o ar, a água, o solo, os animais e a si mesmo. Pouca diferença existe se o faz intencionalmente ou não.Tendo conhecimento dos perigos possíveis, não pode ser isentado de responsabilidade. Mas seu caráter necrófilo o impede de utilizar os conhecimentos disponíveis e a própria razão. Os problemas mais angustiantes da atualidade estão relacionados com uma crescente atração pela morte e pelo mórbido. Refiro-me particularmente as drogas, aos crimes hediondos, a decadência cultural e moral, ao descaso com os valores éticos, nas mais diversas culturas. Como esperar que os jovens, os mais pobres e os desesperados não se deixem atrair pela sordidez, tão bem promovida pelos que dirigem o curso da história moderna? O mundo da tecnologia desumanizada é, sobretudo uma expressão do mundo da morte e da desesperança. O fascínio que o mórbido exerce, sobre o náufrago humano, reflete a dissociação entre o pensamento, o afeto e a sua vontade. E essa necrofilia prolifera e se multiplica quanto mais esse náufrago saboreia a sua insanidade projetada. As ciências humanas não conseguiram descobrir ainda as vacinas cívicas capazes de neutralizar as tendências mórbidas do homem, o que torna praticamente impossível controlar a morbidez social epidêmica.
http://aaciolitravessia.blogspot.com/2008/01/fascnio-mrbido.html


Um comentário:

Anônimo disse...

Acredito que a raiz da morbidez necrófila esteja na ignorância espiritual intrínseca das massas primitivas, que habitam orbes como o nosso. Cabe àqueles que estagiam num grau mais elevado de entendimento, promover, como neste blog é feito,o esclarecimento (em gotas homeopáticas)daquelas.
O desastre social que se vislumbra, é inevitável mas faz parte da evolução humana em todos os cantos do Universo, não sendo evento exclusivo do nosso agrupamento humano.

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