quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

O selvagem moderno

Em todos os cantos do planeta, uma espécie de progresso-dominação viola o natural e o sagrado, na ânsia incontrolável de erguer os seus castelos de areia.
O progresso que tornou possível o surgimento das cidades agora ameaça a própria sobrevivência urbana. A superpopulação, o congestionamento nos transportes, a abusiva exploração dos recursos não-renováveis, a extinção da vida pela ação das máquinas e de seus produtos, acentuam o sofrimento dos cidadãos, criando problemas quase intransponíveis.
O selvagem moderno, completamente desorientado, é estimulado e doutrinado a tornar o consumo do falso progresso a sua própria razão de ser. E isso o torna prisioneiro da ilusão de que o futuro sonhado virou a sua própria realidade ; como conseqüência imagina-se com um poder ilimitado sobre o seu ecossistema.
Mas o progresso exclusivamente material não é o principal objetivo do selvagem contemporâneo, embora tudo leve a supor. A ferocidade com que o homem atua é uma maneira de encobrir a sua dificuldade de afirmar-se no universo mágico que ainda domina a sua relação com o mundo das formas e das coisas.
Na ânsia de manter esse neo-primitivo deslumbrado com suas descobertas, a ciência moderna perdeu o controle sobre as informações que dissemina. Em conseqüência desse fato o selvagem atual passou a experimentar uma espécie de pânico científico permanente.
Hoje são as máquinas, a Cibernética, a Astronáutica, a Física, a Química e a Biologia molecular que decidem o que o homem deve "sentir-se sendo" ou em que verdades deve acreditar.
Mas a tecnologia criou um ambiente material sofisticado que infelicita não somente os que são impedidos de consumir os seus bens, pôr discriminação econômica, mas os próprios privilegiados do sistema, que acabam desenvolvendo uma insatisfação semelhante, ou até mais grave, que a dos excluídos.
Nos barracos da periferia urbana a grande parcela sofre pela absoluta impossibilidade de consumir. E nos palácios encantados, dos bairros exclusivos, uma pequena minoria se desespera porque também não consegue saciar a sua fome de consumo.
O sofrimento crescente da sociedade tecnológica mostra que a vida no mundo natural não pode resumir-se às experiências propiciadas pelos sentidos humanos.
Outra situação paradoxal acompanha a experiência científica do homem : as descobertas que faz multiplicam os mistérios à sua frente. Quanto mais o homem exalta o valor prático das suas descobertas científicas mais desconhecidos desafiam o seu entendimento. E é para disfarçar a angústia, que esse fato provoca, que o homem sacraliza o valor de suas pesquisas ; mas a ciência que tenta explicar os mistérios do ser e o misticismo que busca experimentá-los são formas complementares de abordar uma mesma realidade.
É preciso reconciliar o homem com a natureza, a consciência com a matéria, o interior com o exterior, o sujeito com seus objetivos. Relacionar os mundos revelados com os que permanecem desconhecidos é mais uma missão importante para a humanidade.
Utilizar as descobertas , para harmonizar a relação entre o homem e a natureza, parece a melhor maneira de reduzir as preocupações dos nossos contemporâneos assustados, ou desencantados, que sofrem nas multidões solitárias que vagam pelas ruas do mundo.
AAcioli

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Tentando compreender

Já que o homem precisa irmanar-se com os outros homens, preservando sua identidade, fora da padronização que regride, o que ele deve fazer para livrar-se desse risco, que acompanha todos os seus passos ?
Já que os homens diferem, tanto quanto suas impressões digitais, que providências eles devem tomar para assumirem essas diferenças, sem se anularem na revolta ou na auto desvalorização ?
Já que viemos ao mundo para descobrir e não para comparar, para criar e não para repetir, como podemos reaprender a manifestar, de forma continuada e permanente, nossas infinitas possibilidades de expressão ?
Já que bom e mal podem ser faces de uma mesma realidade, dependendo do observador, como conter o pânico frente às situações desconhecidas ou apenas inesperadas?
Já que a compreensão imediata e grande versatilidade são exigências imperativas dos novos tempos, como evitar o medo de decidir e o temor de não corresponder, que impedem até as realizações mais simples, no dia a dia ?
Já que caminha mais facilmente o que aceita melhor seus erros e limitações, sem mergulhar na culpa ou na vergonha, como podemos transformar a fraqueza dos homens numa força maior ?
Já que o grande mercado estimula a busca frenética de meios que viabilizem o consumo compulsivo, que novos apelos éticos podem restabelecer a solidariedade e o amor entre os homens ?
Já que as verdades sociais absolutas tornaram-se relativas como impedir que esse relativismo desobrigue os homens de aprofundarem a sua humanização, recolocando a fraternidade e o bem comum, no centro de nossa história?
Já que o mundo da vida tornou-se o universo das coisas como encantá-lo com a beleza dos significados e das trancendências, que florescem no compromisso do eu com todos os outros?
Já que a perda das tradições reduz o viver a um mero sobreviver como evitar a tentação, observada em todos os lugares e camadas, de realizar-se a qualquer custo, ainda que por meios mágicos, simbólicos ou ilícitos?
Já que o deslocamento do homem do centro das preocupações sociais perpetua todas as formas de violência, o que deve ser feito para que ele volte a ser a referência fundamental dos que decidem?
Já que o viver tornou-se uma missão difícil, como pode o homem viver com arte e afirmar sua identidade de uma forma realmente humana?
Já que na sociedade do espetáculo vivemos o nosso drama cada vez mais virtualmente, como evitar que nossa própria vida vire uma mera representação ?
Já que o grande desafio de nosso tempo é ressocializar a sociedade humana, como substituir as velhas brigas pela solidariedade e pelo respeito, como neutralizar a irracionalidade dos comportamentos ?

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

O valor do agora

Parem o mundo que eu quero descer” é o nome de uma peça que fez sucesso na Broadway, durante muito tempo. Fugir do instante ameaçador, retornando ao passado ; ante a angustia, que multiplica dificuldades e temores, tentar a volta ao paraíso perdido.
É através dessa fantasia que os desorientados buscam novos caminhos e outras formas de realização existencial. Imaginam, talvez, que numa atmosfera mítica o desprazer se esfumaça, restaurando o ânimo abalado.
O progresso sempre provocou uma influência paradoxal, em todos os tempos. A história é uma crônica da luta humana, ante o presente ameaçador. E o impulso incontrolável de reviver a experiência primitiva é uma tentação já bem antiga. Em pleno século XXI o ser humano continua rude, predador, ignorante, supersticioso e feroz, com tudo aquilo que ainda não dominou.
O ambiente físico da sua sociedade tornou-se irrespirável. Uma acentuada degradação ecológica substituiu as flores e o ar puro, por blocos de cimento e fuligem.A paz idílica é uma experiência definitivamente perdida.
A única forma de voltar a um estado de bem natural é avançar na afirmação da individualidade. E para que a humanização avance é fundamental trabalhar e servir a objetivos civilizadores.
A humanidade se afirma quando qualquer tarefa, seja técnica ou científica, consegue transformar a turbulência em energia transformadora.É dificil perceber e entender o que está se passando na vida social. Mas sem essa compreensão torna-se impossível a sobrevivência e o aperfeiçoamento humano.
Talvez o grande desafio, do novo tempo, seja descobrir os ingredientes que compõem a arte de conviver, única maneira de conter a onda crescente de desertores da vida; evitar que os homens continuem se matando, valendo-se dos mais estranhos motivos.
Essa dificuldade tem sustentado tanto atitudes defensivas quanto agressivas, gestos previsíveis e imprevisíveis. E explica, em grande parte, a competição que tem construído a glória e a destruição das cidades e das civilizações.
O ser humano precisa deixar de buscar gaantias que reduzam as incertezas quanto ao futuro. Tudo prever ou prevenir tornou-se mero passatempo, um exercício de realismo ingênuo. A realidade, de cada dia, é insubstituível e fugaz, um tempo sem volta. “O minuto é um milagre que não se repete”.
Vincular a existência a esperanças e realizações, no amanhã, é impedir todos os avanços possíveis, no hoje. O presente só se enriquece com as contribuições do passado e do futuro, quando consegue afastar da memória o antes e o depois.
A realidade é implacável com o que despreza o significado e o valor do agora, que não desfruta os bens presentes, que desconhece o que está à sua volta, que não valoriza, de forma igual, o importante e o simples.
O ser humano precisa aceitar os limites de sua condição humana e histórica. E evitar, por todos os meios, perder-se na busca obstinada do impossível.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Circulo vicioso

São os tóxicos instrumentos de contestação ou refúgio dos que buscam o que desconhecem e não encontram nos seus semelhantes uma vontade de ajudar a suavizar os seus sofrimentos e a reencontrar a esperança perdida?O homem, em sua ingenuidade, tem procurado incansavelmente drogas ou outros meios que alterem a sua consciência. Essa busca seguiu um caminho paralelo ao da história. O desejo de amenizar a realidade da vida parece ter sido sempre a motivação principal.Mas algumas coisas mudaram nesses tempos globalizados. Em todos os cantos passaram a fermentar, no compasso da tecnologia, mudanças que no passado, naturalmente, eram resolvidas ou controladas.
A era da comunicação de massa acentuou conflitos num mundo já pouco voltado para a intercolaboração e o entendimento.Tornou-se mais crítico o relacionamento entre o que já era e o que passou a ser; entre as pessoas já formadas - seus padrões, conceitos, princípios e objetivos - e as que estão sendo formadas - suas dúvidas, angústias, necessidades e expectativas. E raramente as respostas são oferecidas ou encontradas.
Hoje o tóxico é uma grande preocupação. Ontem não o foi. Amanhã, talvez, não o seja. Os tóxicos, como todas as mazelas sociais, não são causas, mas efeitos. Embora pareça uma missão quase impossível é preciso buscar as razões geradoras.
O que se vê nas grandes concentrações humanas atuais é um tocar-se sem comunicar-se, a angústia na multidão, o isolamento sem espaço, a ingestão, a cada instante, de mais problemas sem qualquer esperança de solução.Estamos aprisionados no círculo vicioso do não-entendido, do anti-simples.
Os que detêm o conhecimento ou o poder imaginam-se irresponsavelmente acima de julgamentos, completamente desobrigados dos menores gestos de fraternidade.Há um distanciamento que faz irreconhecíveis os que convivem e estranhos os que conversam. Continua sem solução o desafio social primeiro: aprimorar a relação do homem com o seu semelhante.São o pavor da solidão e a amargura pessoal que levam os homens a se entreguem às drogas.
Ao invés de implorarem piedade, a seus malfeitores, eles até deveriam perdoá-los. Pelo descaso e pela indiferença que demonstram. Até porque esse comportamento de extremo egoísmo deve esconder o temor do próprio fracasso.
Não adianta sofisticar o combate às drogas e multiplicar os recursos para tratar suas conseqüências se não enfrentamos, com o mesmo empenho, as causas do sofrimento humano. A humanização da vida é o melhor remédio contra as drogas e os males sociais.
Precisamos adotar - enquanto há tempo - as práticas rudimentares que chegaram a tornar santos os que, simplesmente, num passado que insistimos em desconhecer, viveram suas existências no compromisso do amor solidário com seus semelhantes.

Indagação fundamental

Os traços básicos do mundo contemporâneo são a multiplicidade e a imprevisibilidade dos fatos e dos acontecimentos.E a cada instante descobre-se como fazer novas coisas e surgem ideias e conceitos inacreditáveis , até um ontem bem recente.
O novo e o extraordinário são consagrados e desvalorizados quase simultaneamente. Mas esse rico e surpreendente universo não é orientado para o bem estar da maioria. O mercado é hoje o grande objetivo dos que realmente dominam o mundo.
Um mercado irracional e voraz que subordina tudo a seus propósitos, indiferente às consequências sobre o meio ambiente, a saúde e o desenvolvimento humano.
Tudo está orientado para uma capacitação voltada às exigências da produção e dos melhores empregadores, os verdadeiros detentores do poder.
Essa lógica pressiona toda a rede internacional de instrução a privilegiar os programas de pequena duração, tanto na formação quanto na especialização. Esse modelo imediatista obriga a ciência a restringir a pesquisa pura para se dedicar, quase que exclusivamente, à pesquisa aplicada.
Mais eficiência para aumentar o lucro é o lema pricipal, da grande onda socioeconômica que domina esse final de milênio. Atende-se primeiro aos objetivos do mercado irracional global ; depois se pensa no destino da humanidade!
A grande massa está sendo condicionada por todas as mídias a crer que a capacidade de adquirir é o que define a classe de cidadania de todos nós. Essa estratégia consagra a mais perigosa das ideologias : vivem melhor os que mais consomem ou só vivem de fato os que podem consumir!
Tão triste realidade explica, em parte, a perplexidade que hoje domina o comportamento dos países, das sociedades e dos indivíduos.
E também justifica a crescente dificuldade que encontram para atuar todos os que tentam entender e integrar as infinitas visões de mundo, que se digladiam nesse contemporâneo inquietante.
Diante dos “grandes avanços” já realizados uma sociedade amedrontada retorna a indagações arcaicas, volta a se perguntar :
- Afinal, o que estamos fazendo por aqui?
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