terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Nova socialização

O que vai definir a face da sociedade futura será a capacidade humana de superar a finitude da existência, aprendendo a realizar-se dentro dos limites que a vida social impõe. Desconhecendo essas condicionais o homem perpetuará seus conflitos e perderá, definitivamente, a chance de aperfeiçoar sua humanização. Para vencer a tragédia de sua finitude, o homem tem que decidir-se a assumí-la definitivamente. Somente assim ele reencontrará as condições capazes de restabelecer seu amor pela vida.
Uma socialização nova deve vincular direitos e responsabilidades humanas. Para tanto urge entender que todas as existências são interdependentes, pois estamos condenados à coexistência. Qualquer afirmação particular deve começar pelo respeito à dignidade do semelhante. Fora desse princípio fundamental é praticamente impossível evitar a perpetuação do desencontro humano.
Diante dos extraordinários avanços tecnológicos, a instrução deve continuar sendo a principal função do Estado. Mas a educação, indispensável para o aproveitamento adequado da instrução, permanece como a maior missão da grande família. Principalmente a iniciação dos usos e costumes, das normas e comportamentos, das hierarquias e dos valores. Além dos cuidados físicos cabe ainda à família dar amor e proteção. A educação tem de ser repensada mais em termos de trajetória que de objetivos; como eu vou e não para onde eu vou. Os problemas da vida precisam ser ensinados como ocorrências possíveis, que podem contribuir para o crescimento pessoal, se abordados adequadamente.
Constata-se que a atuação humana perdeu a espontaneidade. Até os gestos mais simples reproduzem padrões condicionados, sejam conceitos ou preconceitos. O homem já encontra, ao nascer, compromissos definidos, sendo-lhe crescentemente difícil viver os infinitos padrões e caminhos recomendados. E o impacto causado pela tecnologia da informação relativizou a realização de todos os papeis sociais. O comportamento assumido, em função da experiência, foi substituído pela representação recomendada. Antes a vivência revelava nossas motivações íntimas, o que facilitava a compreensão. Hoje os modismos forçam uma obediência automática. Cumprir as regras, sem discuti-las, e amedrontar-se ante as verdades consagradas, são realidades comportamentais, quase absolutas.
Acabamos escravizados pelas máquinas que criamos para dominar os animais. Antes do grande salto as mudanças eram lentas; mantinham-se por muitas gerações. Hoje, conceitos e valores discutíveis geram critérios cada vez mais precários. Do bom ao mal, do moral ao imoral, do certo ao errado, tudo se tornou questionável. O viver complicou-se extraordinariamente e todos precisam agora de reorientar suas existências. O natural, o simples, precisa ser redescoberto. Cabe indagar: o homem terá ainda tempo para transformar-se, para redefinir a relação com o seu mundo? Conseguirá esse mesmo homem defender-se da ação do tempo, que ameaça afundá-lo no anonimato e na banalidade? Como ele pode prevenir-se e proteger-se do indiferentismo, da dispersão, da infidelidade a si mesmo?
A ampliação da liberdade humana surge como um caminho importante para a própria reconstrução. E como se pode atingir esse objetivo? Penso que três pontos são da maior importância, na redefinição da socialização humana: consagrar a motivação como o fundamento do aprendizado; aceitar que a frustração é um elemento básico na variabilidade do comportamento; entender que educar é contribuir para outras individualidades e não uma chance para o educador reescrever a sua própria história.
Um dia mestre Malraux advertiu: "A liberdade a que me considera ter direito é a tua. A liberdade de fazer o que te agrada. A liberdade não é uma permuta - é a liberdade". Somente livre, de fato, o homem pode encontrar o seu destino, realizar sua tarefa, plasmar sua forma, a da comunidade e a do mundo. E essa liberdade só é conquistada quando o homem descobre que ela é fundamental.

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